MEMÓRIAS E DATAS QUE MARCARAM VÁRIOS ACONTECIMENTOS NA NOSSA TERRA

 

“As Tuas Memórias”: Este espaço está livre e destina-se a ti!.

  (Envia a tua recordação de outros tempos (AQUI)

 

O último residente…(ou resistente).…,

O último habitante a residir no Calvo, foi o Senhor Mário António (Teixeira), ”também conhecido carinhosa e respeitosamente por Mário “Cego”, em virtude de muito novo, “16 anos,” ter perdido as duas vistas, numa queda, para cima de um carro de bois, onde bateu com a vista num dos estadulhos. Residiu aqui até ao início da década de 80 do século XX, um pouco antes de falecer.

Era solteiro e vivia sozinho, mas ao domingo, vinha quase sempre a Santa Valha à missa e visitar familiares e amigos, como a família de Gualdino Nogueira (do Br. do Sobreiró), seu primo ; Fernando de Castro do (Br. dos Ciprestes) e a família de Laudemira da Cunha (Cagigal), entre outros.  Não obstante a idade já ser bastante avançada, por teimosia própria, continuava a resistir a viver isolado, dentro do telhado e paredes que o viram nascer.

Apesar de ser completamente cego e viver sozinho, fazia por mão própria, todas as tarefas pessoais e domésticas incluindo a lavagem da roupa, o fumeiro, ir à fonte “de mergulho” buscar água, e ainda, pequenos serviços agrícolas, como a poda da vinha etc. Contou-me um familiar que, quando se deslocava a Santa Valha, Vilarandelo ou Agordela, deixava a chave da porta da entrada de casa em três buracos diferentes da parede, conforme o local da deslocação, para quando alguns familiares o fossem visitar, e não estivesse, pelo buraco onde se encontrava a chave, sabiam onde ele estava.

Também era do conhecimento geral, que em dias de maior invernia e quando as águas do ribeiro cresciam, não podendo atravessar o ribeiro pelas pedras (poldras/alpondra) para a outra margem, fazia-o, de pé, por cima do tronco de uma árvore caída, servindo de ponte; Situação presenciada por muita gente que o conhecia.

Era um homem muito bondoso, como hoje já é difícil de encontrar, referiu  Adriano da Mata, acrescentado: - lembro-me de muito jovem ter ido com o meu primo Amadeu Moreiras, -Pedreiro, como era conhecido -, algumas vezes ao Calvo, comprar uns cordeiros e ser a casa dele que ia-mos parar. A comida era feita por ele e pelo Amadeu e, ainda me recordo também, dele descer umas escadas que ligavam à adega e trazer vinho para o almoço. Acrescentou ainda, que era um homem muito honesto e toda a gente lhe levantava o chapéu…. Também  Artur Feijão e outros(as), que o conheceram pessoalmente, nos falaram de várias peripécias passadas , de um homem de bom coração, tendo a casa sempre aberta a todas as visitas.  Benvinda da Cunha Cagigal, para além de me contar, que o senhor Mário perdeu a vista muito jovem, primeiro uma e um pouco tais tarde a outra, numa queda ao bater num carro de bois; era muito amigo da sua família, visitava muitas vezes  a casa de seus pais, onde também por vezes almoçava, quando vinha à missa. Relatou-me também algumas memórias compartilhadas com esse bom e confidente amigo. Cândida C. Nogueira Rocha Santos, que recebeu de herança, “penso de sua mãe” parte de uma matriz “dessas casas,  ou moinho”, também nos descreveu algumas lembranças e nos ajudou a esclarecer algumas dúvidas.

O Dr. Agostinho Nogueira, (primo), disse-me, que antes de falecer, “meados da década de 1980”, se aborreceu com o seu pai (primo), Gualdino Nogueira, (ex-regedor da freguesia), por este ter interferido junto da Santa Casa da Misericórdia de Valpaços, para o levar para essa instituição de acolhimento, (o) que chegou a acontecer. Por convicção, teimou em morar no Calvo quase até à sua morte, (23 de Março de 1984), com 80 anos de idade. Referiu ainda, ser uma pessoa com os sentidos muito apurados, em particular o da orientação, bom conversador e postura na vida irrepreensível.

Está mencionado na Certidão-Assento de Óbito, (só possuir) o nome de Mário António, ser filho de António José Teixeira e Zeferina da Assunção, ter nascido na Freguesia de Santa valha no ano de 1904 e falecido em Valpaços no dia 23 de Março de 1984.

Nos contactos pessoais que efectuei para este artigo de memórias e recordações, todos me disseram, sem excepção, ter sido um homem com uma integridade fora do comum, assim como excelente pessoa em todos os aspectos…, - daqueles que já é difícil encontrar - e, é neste sentido, pela sua maneira de ser da sua pessoa, e ainda, como amou até à morte o local onde nasceu e viveu, que o recordo e lhe presto aqui esta singela homenagem “póstuma”.

Nos Documentos:  Aldeias do Concelho de Valpaços nos meados do século XVIII por freguesias - “Memórias Paroquiais de 1758”, diz no manuscrito do Padre/Abade da nossa paróquia de então, Domingos Gonçalves, que a anexa do Calvo possuía uma Capela de Santo António, três vizinhos (moradias) e dezassete pessoas. No livro segundo (Corografia) do Padre António Carvalho da Costa sobre documentos de “1706 a 1712” do concelho de Valpaços: Aldeias que foram cabeças de Abadias do Padroado Real  no Termo da Vila de Monforte do Rio Livre, e outras que lhe pertenciam “ Abbadia de Santavalha, não consta qualquer referência à anexa/povoado do Calvo, a não ser que a “quinta do Calvo” pertence à freguesia de Santa Valha.  (Ver Site - Link-Freguesia).

No povoado ou aldeia do Calvo, chegou a residir nas décadas de 40 e 50 do século XX uma comunidade com sete ou oito famílias, ou seja: cinco ou seis, oriundas de Santa Valha, uma de Vilarandelo e outra (pensamos) de Agordela.

Neste pequeno aglomerado de casas, hoje em ruínas, que chegou a ter Capela para o culto, com o Santo António como Padroeiro e cemitério de áreas muito reduzidas contíguo esta, para enterrar os seus mortos, que dizem terem-no feito até por volta de finais do século XIX ou início de XX, não era só terra de azenhas e moleiros, pois habitavam famílias com alguma abundância agrícola e pastorícia, tendo em conta que as propriedades agrícolas chegavam à estrada e até a jusante da ponte do Calvo.

Para destacar essas actividades económicas, pode-se ainda observar, grandes currais e/ou estábulos existentes para o gado bovino e ovino ou caprino, (ou outro), bem como vários lagares para fazer o vinho, eira para malhar o centeio, e ainda, o forno comunitário, que se localiza logo à entrada do povoado. Também muito perto, uma mina de exploração de volfrâmio do tempo da primeira ou segunda guerras Mundiais. Consta-se que esta quinta, pertenceu no Século XVII ou XVIII a família de Morgados, e que foi destruída e/ou incendiada, no tempo da Invasões Francesas, ou por outro qualquer motivo, no regime Monárquico. Também se consta que este casario e respectiva quinta agrícola também pertenceu outrora e na totalidade a um padre que tinha duas irmãs e que recebeu de herança a parte delas.

Dizem muitas pessoas de Santa Valha, que a bonita imagem do Santo padroeiro desta antiga pequena localidade, hoje em ruínas totais, Santo António, se encontra desde os primeiros anos do século XX na localidade próxima, Pardelinha, também anexa a Santa Valha, mais propriamente na Capela de Santo Antão. Há uma versão contada em Pardelinha a justificar a ida para lá, que é a seguinte: ter sido um viajante a cavalo (cavaleiro) que passou pelas casas já desabitadas do Calvo, que viu a imagem do Santo sozinho na pequena capela e o levou consigo, deixando-o em Pardelinha à primeira pessoa que encontrou e, que essa tal pessoa o colocou na Capela junto ao Santo Antão. Mas há também uma ou outra pessoa de Santa Valha desse tempo que defende haver outra versão bem diferente e que é a seguinte: que a imagem do Santo foi roubada da Capela do Calvo e levada para Pardelinha por alguém dessa localidade.

Há também quem diga, mas não existem certezas, que a Santa padroeira primitiva, teria sido a Santa Cristina, nome que deu à serra contígua a poente, e que foi profanada, tendo só restado um Santo na capela, o Santo António, Santo este, o verdadeiro padroeiro para as últimas gerações residentes, como nos contou quem lá chegou a viver, pois não conheceram outro. Se porventura foi inicialmente a Santa Cristina a padroeira, então tudo leva a querer que a profanação se tivesse dado no tempo das tais invasões francesas do século XVII ou XVIII, quando os invasores incendiaram e destruíram este antigo casario, que dizem ter sido uma antiga quinta propriedade de Morgados no tempo do regime monárquico ou já de um padre, e que mais tarde, os novos proprietários vieram a comprar em parcelas e a restaurar na totalidade a parte urbana. A enorme parte rústica desse casario ou quinta, chegava antigamente até cerca quinhentos metros a jusante da ponte nova do Calvo.

Contou-me António dos Santos, também conhecido em Santa Valha, pelo “Cem”, (por ter uma estatura superior à maioria), que viveu com os pais (Alberto “Moleiro” e irmãos no Calvo, até final da década de 1950, o seguinte: - eu pertencia a uma família pobre de moleiros e por isso, como outras, viviam no próprio moinho. Nessa época, funcionavam (moíam) quatro moinhos no Calvo e, independentemente de haver algumas famílias mais abastadas, porque possuíam as melhores habitações, gado e propriedades agrícolas, era uma pobreza, não só no aspecto alimentar de alguns, mas também  na maneira como se vivia, não falando  é claro, no aspecto cultural. Havia falta de cultura e as excepções eram poucas. Não era por acaso que até a uma família lhe chamavam de alcunha “Os Caboucos do Calvo”, mas o isolamento contribuía para isso. Acrescentou ainda, que, na altura em que permaneceu no Calvo, habitavam cerca de uma dúzia de famílias,  incluindo as que viviam nos moinhos, que correspondia a setenta pessoas, ou mais, más já depois de ter saído de lá, - início da década de 1960 -, lhe contaram que passados poucos anos, só existiam cinco, ou seis moradores, incluindo o Senhor Mário “Cego”, um bom homem, amigo de toda a gente, que todos respeitavam.

No início da década de 1950, houve um incêndio de grandes proporções, onde veio a falecer uma criança do sexo feminino, que a essa hora, estava a dormir numa casa junto a um cabanal com palha. Era irmã de Artur “Moleiro”.

As poucas pessoas ainda vivas,” que se contam pelos dedos de uma mão” e que lá habitaram na sua (tenra) juventude, hoje já na fase da terceira idade, dizem sentir ainda alguns momentos de nostalgia desse passado, mas somente no tocante ao convívio com os familiares  e vizinhos já falecidos. Já do restante, o não sentem, mas jamais esquecerão esse passado.

 

 No levantamento do espaço urbano efectuado junto da Repartição de Finanças de Valpaços, verifica-se a existência de oito artigos matriciais da freguesia de Santa Valha (Calvo), que assim referimos:

Artigos :  Nr. 206 – Proprietário: Marcelo Assunção Alberto; nr. 207: José Manuel Cunha; nr. 208-João Francisco Rodrigues; nr. 209: Francisco Luís Alberto (também conhecido pelo Sr. Francisco Ferruge(m)), José Joaquim Lopes e Josefa Carlota Lopes; Nr.210: Zeferina da Assunção, Aurora do Nascimento Teixeira e Maria Antónia Teixeira; nr.211: Ana Maria Teixeira; nr.212: José Rodrigues Nogueira; nr.213: Carlos Ribeiro, (penso tratar-se de um moinho). Nas confrontações dos imóveis, há registo de dois nomes: João António Fernandes e Zeferino Assunção Alberto, que não constam como proprietários. Um morador, que ainda está entre nós, disse-me, que deve ter havido lapso dos louvados no registo matricial das propriedades  de 1951, em virtude de João António Fernandes, nunca ter possuído quaisquer bens, mas sim João Francisco Fernandes, conhecido também por  João “Morte”.

Alguns proprietários dos artigos matriciais registados na Repartição de Finanças, podem já não ser pessoas quem nós conhecemos, mas sim, pais, avós, ou parentes mais afastados, de quem ouvimos falar. Também poderá acontecer, que alguns destes imóveis, tenham sido vendidos ou transferidos para outras pessoas, e que não tenham, até à presente data, procedido ao registo de transferência dos artigos matriciais na Repartição de Finanças e Conservatória Predial.

Apelidos e “Alcunhas” de Famílias, que residiram no Calvo:

Os Marcelos; Os Albertos; Os Lopes; Os Fernandes; Os Nogueiras; Os Teixeiras; Os Rafaeis;  Os Marelos;  Os Sóqueiros;  Os Mortes; Os Ferrugens, Os Caboucos e  Os Alberto “Moleiro”, que habitavam na residência do moinho de Carlos Ribeiro, e ainda Vasco Proença familiar dos Videiras que veio a comprar alguns bens, mas que nunca lá residiu e que vendeu posteriormente esses bens, conforme me contaram. Também Jaime Nogueira (penso ser familiar dos “Marelos”, marido de Palmira Costa “Moleira” lá habitou, vindo posteriormente a comprar o moinho a jusante, junto à ponte do rio calvo.

Durante todo o tempo da Guerra do Ultramar - ex-Colónias Africanas – de 1961 a 1975, só houve um soldado de toda a nossa freguesia que morreu em combate nessa guerra, mais propriamente em Angola, este soldado foi  o primeiro sargento António Alberto Teixeira. Nasceu no “Calvo” em 15-10-1928 e tombou em combate em 30-06-1972. Encontra-se sepultado em Luanda no cemitério de Santana (Catete). - Mais detalhes sobre este assunto no espaço ou sub - link destas memórias “ Outros” -.

Ouve também um soldado que participou na primeira guerra mundial de 1915-1919, mais propriamente em batalhas de terras de França, este soldado casou e residiu no Calvo e chamou-se Francisco Luís Alberto, Francisco Ferruge(m) como respeitosamente o conheciam; era natural de Fiães. Foi colega nessas batalhas da grande guerra do nosso conterrâneo de Santa Valha, Antero Augusto Cagigal, do bairro do Sobreiró. Mais tarde esse senhor Francisco Luís Alberto foi residir para Santa Valha, bairro do Sobreiró.

Encravado no sopé entre morros, e banhado pelo ribeiro que lhe dá o mesmo nome, o Calvo, pertence à freguesia de Santa Valha e os Santavalhenses, têm orgulho no seu passado. A história e a cultura de um povo, são tão ricas, quanto maior for esse passado; Esse passado,  e os costumes dessas gentes, “de luta incessante de sol a sol, inúmeros sacrifícios e dificuldades da vida dessa época”, merece ser recordado, apesar de restar cada vez menos pessoas, para  o contar.

Obs:- A maior parte destes dados foram colhidos junto de familiares/parentes, alguns já bastante afastados e de outras pessoas mais idosas de Santa Valha.

 Site Fevereiro 2014

 

Não deixaram jogar o meu Mário:

          Vou contar-vos uma peripécia engraçada de que me recordo desde criança, que aconteceu na nossa aldeia por volta de 1940, e que ainda é hoje em dia é ouvida frequentemente na nossa aldeia.

O campo de futebol desse tempo era no lugar das Lajes, numa propriedade agrícola da minha sogra, Laudemira Cunha (Cagigal), espaço que ainda conserva por todos o nome de “campo da bola”.

Um certo domingo soalheiro, a rapaziada, como sempre, apareceu no campo para uma partida amigável, e havia tantos jovens e até menos jovens, que se tornava difícil jogarem todos. É claro! Os menos habilidosos, como sempre, ou não jogavam, ou ficavam sempre para os últimos minutos e até segundos.

Nesse dia, o Mário não jogou por um desses motivos, e a Tia Isabel, que por vezes também ia assistir à única diversão que havia nesse tempo, não ficou nada satisfeita por não terem deixado dar uns pontapés na bola ao Mário, que até tinha deixado de ir pastorear o rebanho de gado nessa tarde, com ansiedade tal, de que o viessem a deixar jogar.

 A Tia Isabel, descontente com o facto, exclamou várias vezes a seguinte frase para várias pessoas:

Olhai!?: Um dia tão bonito e não deixaram jogar o meu Mário!

Essa frase engraçada, saída da boca da Tia Isabel, ficou gravada para sempre na memória de muitos e que ainda se conserva nos dias de hoje, quando normalmente está um dia bonito e soalheiro.

O Mário, era o meu amigo Mário Picamilho, e a Tia Isabel, era a mãe dele. Que Deus os tenha em bom lugar.

 

01-03-2011- Francisco Rolo 

 

 

A “ Encomendação das Almas”:

 

A Capela de Santa Maria Madalena fica situada no bairro do mesmo nome, em sítio de fácil acesso e de identificar pelo seu estilo de construção antiga.

Ultimamente tem sofrido bastantes obras de melhoramento e conservação. Este património religioso foi sempre visitado por muitas pessoas devotas da Santa e por estudiosos de arte sacra.

A sua construção talvez remonta aos primeiros séculos do Cristianismo. No seu interior existem três imagens de madeira: a da capela-mor é de Santa Maria Madalena; a do altar lateral esquerdo é de Nossa Senhora de Belém e a do lado direito é de Santa Isabel, talvez prima de Nossa Senhora, e mãe de São João Batista.

Nela eram sepultados os ricos, no interior, e os pobres no adro, à volta da Capela.

Depois da construção da igreja (1657), já se sepultavam os ricos na igreja, e os pobres, continuavam a ser sepultados no adro da Capela; isto durante largos anos, até  à construção do Cemitério Público em 1903.

Também é notável por ter as últimas três cruzes do Calvário, em pedra, no adro.

Lá termina a Via-Sacra do Calvário, que se realiza todos os anos na Sexta-Feira Santa. A devoção da Via-Sacra permanece viva e actual. À última vão quase todos os homens, mulheres e jovens da nossa terra, sempre com muito respeito. Agora é feita pelo Senhor Padre, mas dantes não era. Dizem que quem vai à última vale por todas!

Mas passo ao episódio das Almas, que o meu pai – Rodolfo – nos contava na nossa infância:

Havia um homem chamado Senhor Vieira, que morava na sua casa ao lado da Capela e costumava ir à varanda todas as noites, antes de se deitar, encomendar as Almas. Era o pai do Senhor Augusto Vieira e da Senhora Gertrudes, que eu bem conheci.

Então rezava com a seguinte invocação – musicada -: “ irmãos meus, pensai na morte; e no dia de Juízo; o inferno é muito feio; Deus nos leve ao Paraíso”.

Em seguida rezava um Pai-Nosso e Avé-Maria.

Aconteceu que, em certa noite, quando ele em voz alta recitava esta prece, viu uma procissão apressada de vultos vestidos de branco e com archotes que riam e corriam às gargalhadas: “Áh; Áh; Áh; Áh;!.

O Senhor Vieira teve tanto medo que se retirou para dentro da casa e nunca mais encomendou as Almas.

Conclusão: Quem seriam aqueles vultos?

As Almas ou algum grupo de atrevidos que quiseram pôr medo ao homem?

A verdade é que o Senhor Vieira nunca mais encomendou as Almas.

Um costume que se perdeu!

 

*Maria Raquel Barros Alves – Maio de 2010

 

 

 

Festa de São Caetano da minha terra. 

A nossa festa foi e, continua a ser, no segundo domingo do mês de Agosto.

Em tempos passados, nesse dia, era mesmo dia de festa, com muito gosto, animação e também alguma ansiedade, particularmente para a rapaziada.

Adornavam-se muitos andores, cada qual inspirado no mais bonito Santo da Paróquia, com o de São Caetano a marcar diferença, estes, a cargo, quase sempre, do andoreiro de Fornos do Pinhal, senhor Pinheiro. Eram tão grandes que era preciso força e habilidade para continuar o passo, mas a mestria dos orientadores no percurso dos quatro bairros, Benjamim Picamilho, Aniceto Picamilho, Amador e António “Arrobas”, fazia com que tudo corresse afinado.

Começava o dia com o mais entusiasta e melhor pirotécnico da nossa terra, o Toninho Rolo, que nem dormia na véspera, para nos deleitar com a sua alvorada de morteiros e muitos mais ao longo do dia. De tão entusiasta nesta arte, penso, que nem tempo tinha para ver o grandioso espectáculo.

Eram dois fogueteiros - de fama - ao despique, num arraial digno de ver e apreciar, e o CHARRUA de Vilarandelo até só p’lo nome, fazia estremecer as redondezas.

Havia copos por todo lado e a “pucarinha” nunca faltava para os amantes deste jogo, que só conseguiam ver os dados e as cartas com a ajuda do gasómetro ou lampião. A roleta dos realejos, navalhas e outros utensílios, fazia “cegar” os mais jovens.

Havia também duas bandas de musica ao desafio.., qual a melhor. Havia também uma "planta" de eletricidade "portátil", para fornecer o gira-discos de quatro "bocas" de altifalantes instalados no cimo da Capela e da iluminação das bonitas Igreja e Capela do nosso devoto São Caetano, e ainda, as fracas lâmpadas dos lugares adjacentes.

O motor que a gerava essa luz ficava instalado por traz da Capela, pois nem o barulho e os cântaros de água que gastava para o arrefecer, incomodavam o pessoal. A aparelhagem sonora tocava e dedicava discos às namoradas(os), e a poeira do baile do arraial era sinal de uma festa viva e muito animada, que nunca terminava antes das três ou quatro da madrugada, com, por vezes, uma ou outra intervenção pelo meio da Guarda Republicana a repor a ordem em alguns com copos a mais.

No dia seguinte, logo de manhã cedo, os miúdos, ainda com o sabor na boca de alguns pirolitos ou outro refresco açucarado com água da fonte de bem perto, apanhavam molhos de canas dos foguetes rebentados no arraial, olhando ao mesmo tempo para o desgaste dos sapatos - de pano, é claro - e restante vestuário, que teria de durar até à próxima festa. Enfim…, memórias de outros tempos que jamais esquecerei.

A bênção dos rebanhos do gado bovino e de outros animais era feita logo pela manhã. Cada pastor ou proprietário levava o seu rebanho ou outros animais para a bênção; davam umas voltas à capela, conforme a promessa feita, e todos estes ficavam benzidos. Por vezes tornava-se difícil segurar alguns rebanhos de gado, só conseguido com a ajuda de vários populares que assistiam. O produto de algumas destas promessas, -centeio, vinho, etc. - , era leiloado em conjunto com outros artigos de outras promessas ao Santo na parte da tarde, onde também não faltava grande animação e até alguma disputa à mistura de quem arrematava e contribuía mais para o Ele.

Nesse dia, os tradicionais CORDEIRO e ALETRIA enchiam por um dia a farta mesa de todos, bebia-se o melhor vinho pré-reservado e tudo era em honra de SÃO CAETANO, da minha terra, Santa Valha, que julgo que ainda continua a ser a única festividade em honra deste Santo no nosso Concelho.

Novembro de 2009  -  Carlos Sá

 

 

Memórias do último Regedor de Santa Valha:

O Regedor foi uma antiga autoridade civil administrativa de uma freguesia, que até 1940, era o representante do Governador Civil, da sua confiança e por si nomeado. A partir dessa data, passou para a confiança e nomeação do Presidente da Câmara, com base no Código Administrativo dessa época (1940), que também o podia exonerar. Era, por isso, também a autoridade policial. Tinha que ser um residente local alfabetizado, com sentido de responsabilidade e bem conceituado no meio.

Era a ele que se dirigiam as queixas por desacatos em toda a freguesia. Caso não as conseguisse resolver e repor a ordem pública, deveria chamar de imediato a autoridade (GNR) mais próxima. Para além desse trabalho, tinha outras competências atribuídas: resolver zaragatas; roubos; policiamento de toda a freguesia, agindo de modo a garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade pública. Ainda, acompanhar as autoridades; publicação de Editais e Posturas Municipais, verificação de Licenças de Obras e outras Leis e Regulamentos Administrativos; informações diversas pretendidas pelo Governo Civil ou Câmara Municipal e ainda, censo da população; carimbar vistos da presença e/ou passagem da GNR pela freguesia, e até levantar autos de transgressão. Também auxiliar as autoridades sanitárias, garantir os regulamentos funerários, mobilizar a população em caso de incêndio e cumprir outras ordens ou instruções emanadas do Presidente da Câmara Municipal. Tinha ainda poderes para prender e, até, se necessário, castigar os faltosos, quando estes não se comportavam correctamente. Podia entrar em casa de qualquer pessoa, mas apenas entre o nascer e o pôr-do-sol.

Em todas essas tarefas, era coadjuvado normalmente por dois Cabos de Polícia, ou até mais, conforme a densidade populacional da freguesia, também conhecidos por Cabos de Regedor, pessoas de confiança do Regedor, propostos por si, ou pela Junta de Freguesia ao Governador Civil, e, mais tarde, ao Presidente da Câmara Municipal. Na ausência dos Cabos e em situações excepcionais, o Regedor, podia pedir  auxílio a um militar (tropa) que eventualmente estivesse na aldeia de fim-de-semana ou em férias, mas teria que fardar-se obrigatoriamente à militar. Este, tinha que obedecer.

Tanto o Regedor, como os Cabos de Polícia, recebiam no acto da posse, o respectivo Alvará do cargo e o carimbo de autoridade, faltando a maior parte das vezes a almofada para o molhar, que era adquirida a custo do Regedor. Não tinham qualquer remuneração (salário) e, se porventura, fossem chamados pelas Entidades do Estado para prestar quaisquer informações ou esclarecimentos, a maior parte das vezes deslocavam-se a pé, pois não recebiam qualquer importância para o transporte ou outros gastos.

O último Regedor a exercer este cargo na nossa freguesia, foi o Senhor Artur Domingues Gonçalves, também conhecido entre nós por Artur feijão. Nasceu em Santa Valha no dia 05/04/1927 e exerceu o cargo de 1968 a 1976. Foi proposto ao Presidente da Câmara, na pessoa do Sr. Dr. Morais Soares, pela Junta de Freguesia de então, presidida por Victor Teixeira Neves. Os Cabos de Policia que o coadjuvaram até à exoneração (1976), foram Manuel Carolino (do Gorgoço) e Amadeu Moreiras, também conhecido por Amadeu “Pedreiro”.

 

Últimos Regedores e Cabos de Polícia da nossa Freguesia

Regedores: Domingos de Castro Alves; Benjamim Picamilho; António Ribeiro(?); António Morais (Ferreiro); José Ribeiro; Raul Victor Videira; Gualdino Nogueira; João Barrosão, e, por último, Artur Domingues Gonçalves, que ainda se encontra entre nós e de que muito nos orgulhamos.

Cabos de Polícia: José Vicente Gonçalves; António Morico; Alberto Santos (Moleiro); Álvaro Alves (Pardelinha); Adriano José Garcia da Mata; Manuel Mota Barrosão(?); Cândido Catalão; Francisco Fontoura Fernandes; António Teixeira; Serafim Gomes (Gorgoço); Manuel dos Santos Vaz, mais conhecido por Manuel Carolino (Gorgoço); Francisco Barreira (Gorgoço) Sezinando Vaz (Gorgoço) e Amadeu Moreiras, falecido em 2001. No mundo dos vivos só estão: Adriano da Mata, Manuel Carolino, Sezinando Vaz e Serafim Gomes, que também nos honra a sua presença.


O Regedor tinha direito a usar pistola ou caçadeira, fornecida, ou não, pelo Estado, mas devidamente licenciadas. No exercício das suas funções, mais propriamente a  exercer a sua autoridade, o Senhor Artur, nunca necessitou de usar qualquer arma de defesa pessoal, nem nunca foi necessário recorrer à força, proferir palavras mais rudes e/ou insultuosas para quem quer que fosse. No cargo, sempre teve uma postura irrepreensível e todos o respeitavam. Enfim, “uma pessoa de bem”, que em primeira instância tentava manter o respeito, a ordem e a harmonia, junto da população da freguesia.

Já quanto aos Regedores e Cabos de Polícia da nossa freguesia, que lhe antecederam, quase todos eles foram portadores de armas de defesa pessoal e, até alguns, chegaram a utilizar a força em várias situações.

Antes dos Regedores, tinham existido os Comissários de Paróquia, nomeados em 1832 ou 1834. O Código Administrativo de 1836, substituiu o Comissário de Paróquia pelo Regedor, com competências semelhantes, se bem que houve algumas modificações ao longo da sua existência, mas genericamente eram análogas aos Administradores do Concelho. A última regulamentação dos Regedores, foi estabelecida pelos Códigos Administrativos de 1936 e 1940; partir dessas datas deixaram de ter o estatuto de Magistrado Administrativo.

Após o 25 de Abril de 1974, (fim do Estado Novo e entrada da Democracia) com a aprovação da nova Constituição da República (1976), algumas competência de regedor foram transferidas para a Junta de Freguesia. Ainda que a Junta de freguesia seja um órgão colegial, constituído por um Presidente, um Secretário, um Tesoureiro e Vogais, a figura do Regedor acabaria por ser transferida para o Presidente da Junta de Freguesia, sendo, por consequência o seu equivalente no novo regime constitucional.

 A figura do Regedor de Freguesia foi totalmente extinta na sequência da introdução da Constituição da República de 1976.

 

Nota: A maior parte destas memórias foram colhidas por mim, junto do “nosso último Regedor”, Sr. Artur, pessoa, que, apesar dos seus 82 anos, ainda é portador de uma lúcida e excelente memória, não só para contar esta história, como também muitas outras que já lhe ouvi, quer do seu tempo, quer dos seus pais e avós.

 

Poderão, muito provavelmente, ter existido mais Regedores ou Cabos de Polícia, mas foram só estes que de momento lhe vieram à memória.

Santa Valha, Outubro de 2009

Amílcar Rôlo (Lilo)

 

Poema de uma Ponte da minha aldeia.

Lembrei-me de contar aqui a história de um poema engraçado de que me veio á memória, dedicado pelo povo da minha aldeia, a uma ponte e seus construtores, obra essa edificada pela Junta de Freguesia por volta de 1951, sobre a pequena ribeira que atravessa a estrada que liga Santa Valha à anexa do Gorgoço, antigamente caminho vicinal.

Tendo em conta o facto que se passou logo a seguir à construção, passado mais de meio século, este poema de tributo, ainda continua a ser lembrado, com alguma nostalgia, por muita gente desse tempo.

 

“A ponte de Entre-as-Águas,

Que causou tantas mágoas,

Foi feita por três doutores,

Um cego e aleijado,

Outro mal via coitado,

Mais um Professor.”

 

Eram estes os mestre-de-obras responsáveis da Junta de Freguesia de então:

*Cego e aleijado: (meu tio Toninho) António Avelino da Cunha, com o cargo de Tesoureiro.

*Mal via coitado: João José Cardoso, também conhecido por João Ribeiro, Secretário.

*Professor: Carolino Augusto Afonso, Presidente e professor do ensino primário.

Motivo do Poema: Devido há deficiente construção, a ponte veio a cair na totalidade logo nas primeiras chuvadas mais fortes do inverno desse ano.

Benvinda da Cunha Cagigal (Bendinha)

Agosto/2009

 

A pedra de lavar o porco:

Recordo-me da matança do porco dos meus tempos de criança. Era uma festa e o símbolo de uma casa farta durante o ano. Antigamente as famílias matavam o porco para comerem a carne durante todo o ano. Era nos meses de mais frio, normalmente Dezembro e Janeiro, que se matava o dito-cujo.

A carne, a maior parte dela, era utilizada em vários manjares. As melhores, logo a seguir à matança, como, por exemplo, as costelas assadas e o lombo, ambos de “vinho e alhos”. As restantes, utilizadas no fumeiro, e a salgada, era durante todo o ano que se  comia, principalmente nos dias de lides mais duras do campo.

Quem não se recorda do mata-bicho de uma (d)escavada ou apanha da azeitona, etc., onde um alheira na brasa ou uma linguiça assada, ali mesmo no local, sabia pela vida.

Nesse tempo havia vários matadores ou sangradores em Santa Valha. As famílias convidavam os familiares e outros amigos, que também serviam de agarradores, para trazer o porco até ao banco de sangria.

Depois do porco estar morto, passava-se à limpeza dos pelos do couro com palhas acesas. Nesse acontecimento, seguia-se quase sempre, uma espécie de ritual; As crianças das famílias e não só que assistiam ao acontecimento festivo, eram mandadas a casa de uma qualquer pessoa, para lhe pedir uma pedra boa – especial -, para lavar o porco. As crianças (inocentes), não tinham conhecimento dessa brincadeira dos adultos e lá iam, pensando estarem a fazer uma tarefa importante e útil.

Chegados à casa indicada pelos mais velhos, pediam então a dita pedra emprestada, normalmente ao patrão da casa; Este, que já tinha conhecimento da tradição, dizia-lhe por vezes, que a não tinha com ele e que estava na casa de outro fulano de outro bairro. Então, chegados à casa desse tal fulano, as mesmas palavras repetiam-se, e andavam as crianças, quase toda a manhã, a correr o povo, à procura da pedra, pois todas as pessoas da aldeia conheciam a tradição da pedra de lavar o porco. Mas havia também alguns que os mandavam esperar um bocado para lhe colocar em cima das costas um enorme pedregulho, escondido ou não dentro de um saco.

Finalmente, ao chegar a casa (local da matança), após bastantes minutos ou até mesmo horas passados, a maior parte das vezes já depois do comer do sarrabulho, com ou sem a pedra, logo se apercebiam que foram enganadas, pois as gargalhadas indicavam a brincadeira, que lhe serviria de lição para o futuro e ao mesmo tempo do passar de testemunho quando fosse adulto.

Lembro-me de ouvir dizer, que ao meu amigo Pereira, deram-lhe uma vez uma pedra de vários quilos para lavar o porco que mal podia com ela. Também, que essas pedras de vários quilos de peso, eram a maior parte das vezes colocadas dentro de um saco de sisal, muito bem apertado para a crianças não se aperceberem que tipo de pedra transportava às costas, assim como o pedido feito pelo dono, para ter o máximo de cuidado no transporte, para não a vir a estragar.

 

Carlos Vieira

02 de Março de 2009

 

 

O “Porquinho” de Santo António:

Era habitual, até meados da década de 1970, algumas pessoas da nossa freguesia e de outras, é claro…, quando tivessem fêmeas (porcas) em “casa” a parir, fazerem uma promessa a Santo António, da oferta de um porquinho, se no parto do animal, tudo corresse conforme desejado.
A esse animal “porquinho”, ainda na fase de “leitão”, era colocado um chocalho no pescoço, para toda a gente da aldeia saber onde se encontrava, já que vagueava dia e noite pelas ruas de todos os bairros, “roncando e chocalhando, é claro” e toda a gente lhe dava de comer ao passar à sua porta.
Quando já estivesse na fase adulta, (aí com cinquenta quilos), o animal, também conhecido no meio rural por “reco”, era retirado da rua e da liberdade , e ia a leilão, à saída de missa, para quem o pretendesse comprar, no sentido de o acabar de engordar (cevar) e servir na anual e tradicional matança familiar. O produto do leilão era então oferecido à igreja como esmola para o Stº. António.
Esta promessa, deixou de se fazer (por volta de 1974/75), quando começou a aparecer em todo o País, um vírus, denominado por peste suína africana, vitimando muitos animais e que se prolongou por alguns anos até ser erradicada. Também com o fim da ditadura e com a entrada da democracia, a qualidade de vida das pessoas melhorou substancialmente, sobretudo na forma como as pessoas passaram a viver.

Nota: Também era habitual as pessoas oferecerem fumeiro, com o mesmo fim, leiloado ao longo do ano, à saída de missa.

Amílcar Rôlo (Lilo)
Santa Valha, Janeiro de 2009

 

 

A dança do lobo:


Os lobos são resistentes, inteligentes. O Sr.. Inverno, era tempos de muitas dificuldades, as Nuvens não deixavam de chorar, valentes debatíamo-nos contra ventos fortes de arrasar, dias e noites a chover, geadas, nevadas típico da nossa zona. Lutava-se com a Natureza, lá vivíamos algo gelados. Corria água forte por todos lados, os ribeiros e quebradas cresciam tanto, que ás vezes não podíamos passar, dávamos a "volta" mais longe. Na noite escura, era um  andar no vazio, tudo recolhia a casa e estábulos. As noites  estrelada é quem mais admira o firmamento. O pastor protegido, andava sempre de capote, com uma manta e polainas, leva consigo algum cordeirinho nascido ou ainda fraco. Pastor e cães comiam quando lhe levassem o TERNO.
A dança do lobo, rapidamente passava de ouvidos, anda aí um lobo (ás vezes tratava-se de uma alcateia) quando chegava a surpresa furtiva, era mesmo aterrorizante. No CARRETO o pastor, de cajado a seu lado, dormia vestido de olhos e ouvidos abertos, nem sempre havia cancelas de protecção para rebanho, com ajuda de dois ou mais cães, enfrentava sozinho intimidar e defender o rebanho de lobos esfomeado, mas às vezes já era tarde, havia noites de várias surpresas falhadas. Dormia no CARRETO abrigo quentinho, era um carro de bois, teto em forma de V feito só de palha bem arroupado, o colchão era bastante palha a granel. Mesmo assim, sempre gostámos da nossa típica SANTA VALHA bondosa, com fragas desafiando a gravidade  >>> TENHO SAUDADES <<<.

Carlos Sá.
 

 

Tradição:


O Vinho por excelência, é um dos melhores produtos em todo País, como qualidade, respeita-se o vinho de Valpaços. Domingo, de manhã ia-se á MISSA  os mais velhos passavam as tardes de Domingo adorando até à última gota, quem tinha uma pipa, enquanto não se acabasse não saiam de deixar de voltar. fortalecia a amizade. Havia algumas tabernas, agora já tem nome mais bonito ( diz-se-lhe café ).

Havia uma TRADIÇÃO para não beber o juízo  tirava-se o chapéu, se estivesse alguém no lugar, levantava o copo em sinal de brindes e dizia " são servidos" ?
às vezes aceitava-se, se fosse forasteiro teria também que aceitar, ao menos outro copo igual, era proibido deixar para o amanhã. Era tradição antiga.
Quem fosse pedir dinheiro emprestado, descobria a cabeça, resultava pedir com o chapéu na mão.

Carlos Sá.

 

O Vinho Namora:


Era herança tradicional, quem se enamorasse em Santa Valha é porque era nosso amigo, era porque aqui encontravam-se as mais BELAS bonitas raparigas de todo Trás-os-Montes, sabiam fazer boas merendas, eram capazes de tudo, mas muito tímidas. Não havia problema com o ser Maria-Rapaz, destemidas, capazes a par no dia a dia, até nos afazeres mais RUDES semear, colher, vindimar, etc. Serviam de pastoras (não tinham tanto medo aos lobos, nem à "bicharada" a vindima e a azeitona era mais depressa quando algumas vinham no nosso grupo, tínhamos BARBYs. ( Os rapazes sempre derretidos em "atenções" especialmente ao ir á fonte) os que ajudaram a levar o cântaro vazio, era para sonhar, nem que fosse á distância, perseguíamos. Não havia maior problema andar com Bois ou Cavalos. Havia certa crueldade, os varejadores na azeitona ao subir ás oliveiras mais altas, se bem que estava frio, faziam-no descalços, distraídos, alguma rapariga lhe havia mijado nos SÓCOS era um prémio que só as mulheres sabiam. O vinho namora ( produto desconhecido ) um Almude, teria que beber e dar a beber aos presentes, concentravam-se em cordialidade e vinham mais almudes, era injusto Gorgoço, Calvo, Pardelinha tinham que pagar, senão não havia namoro. A causa de não querer pagar o vinho, a rapaziada de Sonim foram proibidos até de passar na "nossa" estrada, passavam a pé pelos montes. Nos dias de feira de Vilarandelo, escondidos lá se metiam na carreira, vinha outra promessa falhada, o Sr. Paulino sempre ajudava. Ninguém acreditava que a coisa era tão a sério, então o Sidónio de Valpaços lá porque era do tribunal, quis ignorar a tradição desconhecida, prometeu e prometeu, mas para continuar teve que pagar o vinho. Igual que o Adelino de Soním, o Heitor de Barreiros. Marcou logo o dia, certamente agora estão felizes por ajudar a continuar a nossa tradição, era uma emoção de alegria, tinha-se outro amigo dos nossos.

Carlos Sá.

 

 

Viva Jesus Cristo, Viva Santa Valha:

A Nossa Igreja era Bonita, é BONITA nós somos a própria Igreja...! O nosso Sr. Padre João sempre na mesma PIA abençoava e o Sr. Victor "kico" ensinou a luz. Nunca tivemos maiores calamidades, em 14 anos de guerra colonial, todos regressámos a casa. Todos Domingos éramos convocados a assistir à missa. Repicados os sinos em forma de festa, reuníamos todos misturados. Vinham de mais longe Santa Valha, Calvo, Gorgoço e Pardelinha. O nosso cantar na missa, era melhor do que uma banda bem afinada, certamente vibravam telhas do telhado, vivas ao nosso povo. O dia de RAMOS anuncia a Páscoa. Todos afilhados adornava-mos de bolachas e rebuçados, um ramito normalmente de "Oliveira" bendita, para desejar felicidades aos Padrinhos, e lá íamos até chegar a casa. Então os Padrinhos satisfeitos com tal gesto davam sempre a BENÇÃO recordação, nem que fosse só merenda. A Páscoa era Bonita, penso que ainda se conserva o nosso FOLAR tradicional. Na Festa a S. Caetano, havia sempre melhor comida e vinho até demais, havia música de altifalante e duas bandas de música que tocavam até amanhecer. Fazia-se a apresentação dos rebanhos de ovelhas dando volta á Capela de S. Caetano. Era bonito porque não queriam deixar de correr. No dia de todos os SANTOS grupos de rapazes e raparigas faziam piquenique, comia-se maçãs, uvas, etc. Cantavam e dançavam e inaugurava-se o 1º tradicional MAGUSTO do ano, com jeropiga . Nos dias "noite" que vinha a Sagrada Família a casa, todos tínhamos que estar reunidos para lhe dar as boas-vindas. Agradecidos ficávamos com a verdadeira paz. O Natal era por excelência outro nosso dia belo: no dia 24 consoada, a ceia era tradição o polvo, o bacalhau, produtos do Mar, para nos mantermos acordados, jogava-se o RÁPA com pinhões e rebuçados, era mesmo uma festa esperando o Menino JESUS . Cerca das 22 horas, fazia-se (faz-se) no centro da praça, a fogueira ao Menino Jesus, a fogueira ainda é tradicional não se pode apagar, mas se chovesse voltaria a acender-se, fosse á hora que fosse, haveria que ir pedir,"roubar" lenha, não havia tempo para pedir, tudo o que ardesse, ia parar ao fogo. Por hierarquia uns zelavam manter acesa o lume, quem tivesse melhor colheita, dava de bom agrado, vinho frutos secos e castanhas assadas, depois de bem bebidos, porque realmente está frio, havia quase certo zaragata, mas tudo terminava em bem. Quem quisesse aquecer-se, teria que trazer lenha ou vinho, havia regras para puxar conversa.

Carlos Sá.

 

Santa Valha era bonita:

 já não terá pernas tão belas, mas para os seus filhos é a mais bonita do Mundo. Para onde vamos nunca lhe esquecemos, sempre vive o desejo, a vontade, de renovar aquele ABRAÇO que nunca deixa de crescer. Vista de pontos mais altos, admirava-se o vento fazendo ondas na seara, o lindo de frutos em flor, era BELO...com as mãos houveram quem mudou fragas para tornar o lugar próspero. Tivemos homens o suficiente valentes para construir o dia a dia, lutar contra lobos e ganhar, perseguir ratos que destruíam colheitas, etc.Santa Valha era rodeada de tudo o que é verde, o ar era mesmo puro, grandes pinhais inundavam de enxofre a  região. Pardelinha daí tenho raízes, é por excelência o nosso ponto satélite, já "deserta" lá no alto sempre a subir LISBOA não sabe, ou nunca quis saber. Vivíamos entregue ao meu próprio eu, e á lei do CRIADOR. Morreu-se sempre sozinho, desnutrido, esfarrapado agarrado ao CAJADO pouca importância põem ao nosso Mirandês, aqui existe a melhor água de nascente  natural " será medicinal? " deixa até melhor
sabor aos alimentos. Naquele tempo todos trabalhávamos, até o Sr. Padre João, cultivava a sua própria horta da casa. Lavava-se a roupa no Ribeiro, havia que ir cedo para conseguir os melhores lugares, as mulheres falavam, cantavam e até choravam qualquer desgosto.
Sou descendente dos "Reais" Castros, dos Mourões, dos Fontouras. Agradeço a quem me estimou, perdoados momentos menos felizes.
É fácil entender que eu tenho mesmo, uma costela do meu POVO. De Santa Valha sou. Santa Valha era bonita, tínhamos tudo menos electricidade, vivia-se às escuras com a candeia a petróleo. Naquele tempo tínhamos os nossos próprios  artistas e instrumentos musicais, o " Realejo " havia muitos, a "Concertina/Acordeão" havia algumas (Adamastor) , e o " Acordeão " tradicional de tabuinhas, tínhamos um bom " Violinista "  ( Toninho Vieira ) . Nos verdejantes campos havia muita fauna ,lá longe alguém repetia as canções do então. Era festa nas vindimas, nas desfolhadas, nas malhadas, etc. Domingo à tarde visitava-se algumas adegas, fazia-se o bailarico na praça e na ponte da estrada. Mário Pica-Milho, o Capela, sempre harmonizavam  que as tardes fossem de convívio, se alguém de carro quisesse passar, teria que esperar que alguém autorizasse, porque o baile não podia ser interrompido. Quem viesse a Santa Valha escolher namorada, fosse quem fosse, teria que pagar o vinho (era tradição). Os Rolos organizavam o Carnaval e a partida do " BURRO " contra a vontade da GNR nem que fosse madrugada, havia que partir o burro. Tínhamos um Padre, um Sacristão, uma Padaria ,dois Professores, duas Escolas, três Alfaiates, dois Barbeiros, dois Ferreiros, um sóqueiro, duas moagens de azeitona, uma moagem de farinha, etc. Tínhamos o muito QUERIDO Dr. Olímpio Seca, sempre atencioso a consultar, se a doença fosse urgente, de imediato havia sempre lugar no seu carro, a estrada Vilarandelo a Pardelinha deveria levar o SEU nome. Tínhamos o "porco" de Santo António (nossa mascote) A TODOS estes e outros merecem que se fale, que se recorde, bons tempos.

Carlos Sá.
 

 

O Entrudo:

Os Caretos, a garotada fugia a sete pez, se viam era de longe, os Caretos Gigantones, a fanfarra a anunciar, e algumas bombas portátil de carnaval; "festa" para espantar males. Os Rolos organizavam e saíam da casa do Zé Rolo (Rolos Toninho, Manuel, Chico, João e outros convidados) de continuar, deve saber-se que os Rolos são os herdeiros legais, até na partilha; todas raparigas solteiras ou mulheres sós, quase a todas se lhes dava nem que fosse um "pinote" todo era uma riza. Só a G.N.R. é que se opunha, mas nunca tiveram sorte levar ninguém preso. O enterro do Entrudo, a partilha do burro, a carreira dos rebanhos na capela de S.Caetano, a fogueira do menino JESUS, o vinho namora, o porquinho de Sto.António, os cassápos de Pardelinha, era tradição única patente NOSSA temos motivos para exigir nosso feriado nacional. ( A partida do burro brincadeira de mau gosto ninguém tomava tanto a mal, o atrevido "indesejável" ENBUDE (não havia megafones) era da nossa tradição, até o Sr. Padre recebia um sermão, terminava em riza colectiva.

Carlos Sá.